Dimensão da pobreza e desnutrição

                                    DIMENSÃO DA PROBREZA E DESNUTRIÇÃO

A Tabela 2 apresenta estimativas sobre a freqüência e a distribuição da desnutrição infantil no Brasil (excetuado o Norte rural) tendo como base o último inquérito nutricional realizado no país em 1996 (Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – PNDS, conduzida pela Bemfam com o apoio do IBGE). Crianças desnutridas ou com baixa estatura correspondiam, em 1996, a 10,4% da população infantil brasileira. A distribuição regional da desnutrição na infância praticamente se superpõe à distribuição descrita para a pobreza, reproduzindo, ainda com maior intensidade, as desvantagens das regiões Norte e Nordeste e, de um modo geral, das populações rurais do país. Crianças com baixa estatura se mostram duas a três vezes mais freqüentes no Norte (16,2%) e Nordeste (17,9%) do que nas regiões do Centro-Sul (5,6%), sendo que, internamente, às regiões, tanto no Nordeste como no Centro-Sul, o problema se apresenta duas vezes mais freqüente no meio rural do que no meio urbano. O risco de desnutrição chega a ser quase seis vezes maior no Nordeste rural, onde uma em cada três crianças apresenta baixa estatura, do que no Centro-Sul urbano, onde apenas uma em cada vinte crianças encontra-se na mesma situação.



A Figura 2 retrata a tendência secular da prevalência da desnutrição infantil nas várias regiões brasileiras conforme estimativas provenientes de inquéritos realizados no país em 1974-1975 (Estudo Nacional da Despesa Familiar – Endef), 1989 (Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição – PNSN) e 1996 (PNDS). Tendências declinantes, ainda que não uniformes, são observadas ao longo dos inquéritos em todas as partes do país. A evolução da desnutrição entre 1974-1975 e 1989 indica taxas anuais de declínio mais intensas nas áreas urbanas e rurais do Centro-Sul do país (7,4% e 6,5%, respectivamente) do que nas áreas urbanas e rurais da região Nordeste (4,1% e 4,0%, respectivamente) ou nas áreas urbanas da região Norte (4,0%). 

Como resultado, expandem-se ainda mais as desvantagens das regiões Norte e Nordeste diante do Centro-Sul do país. No período mais recente – 1989-1996 – observa-se manutenção ou intensificação da velocidade de declínio da desnutrição em todas áreas urbanas do país e desaceleração nas áreas rurais. O Nordeste urbano é o local do país onde é maior a intensificação do declínio da desnutrição: de 4,1% ao ano no período 1974/75-1989 para 9,6% ao ano no período 1989-1996 (contra 7,4% para 7,8% nas áreas urbanas do Centro-Sul e 4,0% para 5,3% nas áreas urbanas da região Norte). Nos dois períodos, as menores taxas anuais de declínio da desnutrição são observadas no Nordeste rural (4,0% e 3,3%, respectivamente) embora seja essa a região do país mais afetada pelo problema. As taxas anuais de declínio da desnutrição infantil no período 1989-1996 projetam o virtual controle do problema (ou seja, 2,3% de crianças de baixa estatura) no Centro-Sul urbano para o ano de 2003, no Nordeste urbano para 2013, no Norte urbano para 2031, no Centro-Sul rural para 2035 e no Nordeste rural para 2065!




A tabela 4 apresenta a prevalência de indivíduos com baixo índice de Massa Corporal, ou, mais simplesmente, indivíduos magros, nas diferentes regiões brasileiras. Observa-se que nas áreas urbanas a freqüência de indivíduos magros tende a ficar abaixo ou muito próxima de 5%, o que indicaria que as áreas urbanas do país estariam relativamente protegidas de déficits energéticos. Nas áreas rurais o quadro é diverso. Apenas nas áreas rurais do Sul do país a proporção de pessoas magras não ultrapassa o limiar de 5%. No Centro-Oeste e Sudeste rurais, a proporção de indivíduos magros fica entre 6% e 7% e no Nordeste rural chega a 9,4%. Tal situação parece indicar a exposição, ainda que em grau leve, da maioria da população rural brasileira a déficits energéticos, sugerindo que o problema carece de monitorização.





A figura 4 procura descrever o comportamento das reservas energéticas dos indivíduos ao longo das idades no meio urbano e no meio rural. Nas áreas urbanas, verifica-se que a proporção de indivíduos magros mantém-se entre 3% e 4% dos 25 aos 65 anos de idade, superando o limiar de 5% apenas entre os idosos (8,5%). Este quadro confirma a hipótese de que a deficiência energética não alcança relevância epidemiológica na população urbana do país, podendo-se atribuir a ligeira elevação da proporção de indivíduos magros entre os idosos a complicações de saúde próprias da velhice. 

Nas áreas rurais, a proporção de indivíduos magros mantém-se próxima ao limiar de 5% apenas entre os adultos jovens (25 a 44 anos), eleva-se a 8%-9% entre os adultos de meia idade (45 a 64 anos) e chega a quase 15% entre os idosos. A relativa proteção contra a deficiência energética observada entre os adultos jovens do meio rural e a inclusão dos adultos de meia idade, ao lado dos idosos, entre os grupos expostos à deficiência, são fatos intrigantes e cuja explicação exige que se considerem informações com as quais não contamos no momento. A título de hipótese, cogitamos a possibilidade de que complicações de saúde poderiam começar mais precocemente no meio rural e/ou de que adultos de meia idade, tanto quanto os idosos, teriam maior dificuldade de competir no mercado de trabalho rural, que demanda essencialmente grande capacidade física.


A figura 5 descreve o comportamento das reservas energéticas ao longo das idades na população rural das diferentes macroregiões do país. Em um extremo, vê-se a situação do Sul rural, onde adultos jovens, de meia idade e mesmo idosos parecem relativamente protegidos da deficiência energética. No outro extremo, encontra-se o Nordeste rural, onde todos os grupos etários, mesmo adultos jovens, estão expostos à deficiência energética. Nas demais regiões, essa deficiência está claramente presente na população rural apenas a partir dos 55 anos de idade.